sexta-feira, 23 de março de 2012

Resenha 3: "50%", de Jonathan Levine

Joseph Gordon-Levitt e Anna Kendrick em 50%. © Summit Entertainment.
50/50, EUA, 2011. Dramédia. 100 minutos. Direção: Jonathan Levine. Escrito por: Will Reiser. Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick, Anjelica Huston, Bryce Dallas Howard, Matt Frewer, Philip Baker Hall, Serge Houde. Classificação indicativa: 14 anos.

Muitos o consideraram o indie do ano, e, embora tenha sido ignorado no Oscar e no Brasil só tenha sido lançado em DVD, 50% tem as credenciais. Baseado na própria história de vida do roteirista estreante Will Reiser e produzido pelo co-protagonista Seth Rogen, amigo dele na vida real, o filme é, em termos estéticos, tipicamente indie, com a trilha composta basicamente por canções, a fotografia fria e delicada, e a paisagem urbana invernal de Seattle como pano de fundo, e chamou atenção de todo mundo por alternar entre drama e comédia ininterruptamente.

Pra começar, o começo é muito indie: Joseph Gordon-Levitt corre de blusão ao lado de um rio em Seattle, chega em casa, toma um banho, conversa com a namorada Bryce Dallas Howard e entra no carro do melhor amigo Seth Rogen para ir trabalhar. Trata-se, no caso, de Adam Lerner, um jornalista bom-moço que não fuma, não bebe e tampouco sabe dirigir. Qual não é a sua surpresa, então, quando o médico lhe informa que ele tem um tumor maligno na coluna, e que vai precisar fazer quimioterapia. As reações dos mais próximos são ora engraçadas, ora densas, como o resto do filme vai ser: Kyle, o melhor amigo, solta um monte de palavrões (é Seth Rogen, afinal, fazendo o papel quase dele mesmo), a mãe superprotetora (Anjelica Huston), que já tem que cuidar do marido com Alzheimer, enfia na cabeça que tem que passar a morar com o filho para poder cuidar dele, e a namorada recusa a oferta generosa dele de terminar a relação e afirma, relutante, que consegue lidar com aquilo. Adam vai atrás e ficamos sabendo o significado do título — as chances de ele sobreviver são de 50%.

Fatores, lógico, vão começando a se ajuntar e a dar um fundo psicológico para o filme, fatores que a princípio parecem alívios cômicos só que mais pra frente contribuirão na degradação psicológica do protagonista, que tenta a todo custo manter a compostura em meio ao inferno que é o tratamento contra o câncer. Entram em cena uma terapeuta (Anna Kendrick) novata, jovem e inexperiente que não parece saber direito o que está fazendo ao tentar ajudar Adam a manter a cabeça no lugar, o que o torna ainda mais cético, e dois idosos que também passam por tratamento quimioterápico (os ótimos Matt Frewer e Philip Baker Hall) e dão a ele lições sobre a vida, o amor etc. nos intervalos das sessões. Além disso, o amigo Kyle providencia alívio cômico, tentando ajudar Adam a manter-se otimista e aproveitar a vida e ao mesmo tempo aproveitando-se da doença dele para arrumar uma namorada.

Em certo ponto no filme, tudo parece bem — Adam tem dois novos amigos pra desabafar, a relação com sua terapeuta estreita-se cada vez mais até mesmo fora do consultório, e ele insiste pra todo mundo que está superbem apesar do câncer. No entanto, um evento infeliz envolvendo a namorada dele desencadeia uma série de curvas, e ficha de Adam começa, finalmente, a cair. Os fatores que até então o ajudavam a manter a cabeça fria alteram-se tão radicalmente e de uma hora para a outra que ele perde a cabeça. De repente, a forma como todos insistem que tudo vai acabar bem o irrita; ele está certo de que vai morrer.

É nesse momento, final e definitivamente, que o filme vai de uma comédia com tons dramáticos para um drama — com tons cômicos, tudo bem —, mas essa transição é realizada com tanta delicadeza que o espectador, a essa altura, está imerso demais na história para notar. Delicadeza, sem dúvida, é um dos maiores méritos do filme, justamente por se tratar de um tema tão pesado. As melhores cenas são as mais delicadas — como aquela em que, em face da insistência de Adam em dizer que está bem, a terapeuta não sabe como proceder —; a trilha musical, do badalado compositor Michael Giacchino, um dos mais requisitados da atualidade no cinema, não adquire as nuances grandiosas de trabalhos anteriores dele como Up - Altas Aventuras e Lost, mas é sutil, ofuscada por canções; a direção de Jonathan Levine mostra-se fluida e intimista, potencializando o trabalho dos atores — e o elenco, talvez, é o que há de melhor no filme, das performances sutis porém vigorosas de veteranos como Anjelica Huston à eficiência dos mais jovens Bryce Dallas Howard, Seth Rogen (sem dúvida na melhor atuação cinematográfica de sua carreira) e Anna Kendrick, indicada ao Oscar faz alguns anos por Amor Sem Escalas.

Mas o ponto alto, obviamente, é o protagonista Joseph Gordon-Levitt. Apesar de fazer um personagem parecido com o que representou no também indie (e também ótimo) (500) Dias com Ela, ele se entrega tanto ao papel que torna profundamente interessante e identificável um personagem que, se interpretado por outro ator (como James McAvoy, que fora inicialmente escalado para fazer Adam mas declinou), poderia ficar meio sem-graça, dado seu bom-mocismo. Esse tem tudo pra ser o ano de Levitt, que, além de co-estrelar a ficção científica Looper com Bruce Willis, estará no drama biográfico Lincoln, dirigido por Steven Spielberg, na pele do filho do lendário presidente americano. Portanto, preste atenção nele. Se o seu histórico até aqui — além de 50% e (500) Dias com Ela, ele protagonizou os também aclamados O Vigia e A Origem — servir como referência, outros grandes papéis estão por vir para ele. E preste atenção também no roteirista Will Reiser, que aqui estreou da melhor forma possível: com uma dramédia humana, tocante e muitas vezes hilária que atesta sua habilidade notável em lidar com personagens.


Classificação final:

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